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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

A Morte anunciada de um Guarani

É difícil admitir, é difícil acreditar, é triste... mas este Guarani a que me refiro está morto. Morto, sem ser velado. Morto sem ser homenageado. Morto, sem choro e nem vela. Só uma fita amarela, representada por uma parede de tábuas retiradas de seu próprio ventre, a isolar e também proteger, os descuidados que em frente passam.

Quanta noite este Guarani nos abrigou em seu aconchego. Quente no verão e frio no inverno. Mas quem ligava. Quantas tardes de domingo em que a molecada vibrava, com gritos de pavor e de medo, os seriados que todos assistiam. Com risos nas chanchadas brasileiras. Com risos nas estripulias do Cantinflas e do Carlitos, um andarilho que mesmo em trapos não perdia a sua elegância. Quantas tardes... Quanta saudade daqueles seriados, como o do Capitão Kid, um valente pirata, que lutava sem nem se entender porque, mas que lutava e nos encantava.


E naquele tempo, não tínhamos televisão. As nossas novelas eram os seriados nas tardes de domingo. Sempre à espera do próximo capítulo. E interessante, o mocinho ou a mocinha, sempre ao final do capítulo ficava numa situação de perigo, que a todos permitia incutir em nossas mentes, as mais fantasiosas e fantásticas saídas. Quanta saudade...

Mais tarde, quando nos tornávamos adolescentes, os encontros com as namoradinhas, invariavelmente marcados nas sessões do Cine Guarani. Ah! agora todos estão percebendo. A memória de quem falo é a do Cine Guarani. Sim, daquele cinema que a todos encantava e deleitava.


Mas, voltemos ao saudosismo. Quem não se lembra. Só não se lembra quem não teve a honra e o prazer de esperar todos os fins de semana, só prá ir ao cinema. E olhe que estes eventos eram grandiosos. Todos, homens e mulheres, casados ou não, jovens, namorados ou não, todos se preparavam como quem fosse a um casamento. Pois tal evento era importante, muito importante. Era ali onde todos se permitiam socializar de um modo diferente. Quem tinha carro, ia de carro. Quem não tinha, ia a pé. A família toda junta.

E quando se estava em frente ao cinema, para nós crianças, e acredito que também para os adultos, era um momento de estranha alegria, uma alegria misturada com apreensão, com ansiedade, tudo misturado. As filas, imensas às vezes eram, dependendo do filme, se famosos por sucesso anunciado pelos que da capital chegavam, ou pelas ondas de rádios que nossas mães ouviam com atenção, ondas que vinham de longe, de São Paulo, do Rio de Janeiro. E ficávamos todos, em pé e em fila, andando devagarinho, pensando, pensando e sonhando. Na entrada, as catracas faziam barulho de giro em giro, passando um a um, para conferir a contagem dos presentes, com a contagem dos bilhetes. Gente experta naquele tempo.

Ao se entrar na ante-sala, à esquerda o balcão das guloseimas, doces, chocolates, balas. Quem tinha sede tomava água no bebedouro que lá existia, pois de tanta ansiedade as bocas secavam e o sorvido de um gole d´água aplacava a nossa sede, de água e de ansiedade, pois já estávamos na ante-sala, já estávamos dentro. Sem falar que lá também havia sofás, e dos bons, para que, aos que mais cedo chegavam, se permitissem sentar e esperar, das cortinas a sua
abertura.


Quando na sala de projeção se entrava, tudo iluminado, lindo, músicas se ouviam, lindas, de orquestras, de grandes orquestras. O burburinho era intenso. A escolha para entrar e escolher um lugar para se sentar era intrigante. Vou pelo corredor do meio, pelo da esquerda ou da direita? Ah! E tinha também a escolha da distância da tela, mais longe, mais perto. Na parte anterior? Logo na entrada, mais em cima, com as cadeiras em declive? Ou na parte de baixo, em aclive, mais perto da tela? Estes últimos eram das crianças os lugares preferidos. Que de perto todos queriam, ver e ouvir, o som mais forte, a imagem mais de perto, sensações mais fortes.

Chegando a hora da sessão o início, um som lindo se ouvia, um som característico, de violinos a entoar uma música, que de tão bela, nos deleitava e nos acalmava. As luzes apagando-se lentamente. As cortinas abrindo-se, uma para cada lado. Um show, um show não, um espetáculo! As cortinas se abrindo, a música se ouvindo e de repente, silêncio... Então, um clarão ilumina a tela branca e um estrondo de som inicia a sessão. É chegada a hora. E ela chegou bem quando acordei. Um sonho. Um sonho que de volta não se tem mais. Os anos se passaram. Como um raio iluminando o céu. Caí na realidade. O Guarani morreu, destruído que foi pelo excesso de informações. Não mais cinema em prédios como aquele, do grandioso Cine Guarani.

Agora são só filmes engavetados, engavetados em fitas, em fitas de vídeo e em discos, discos de vídeo, os tais devedês, para se ver numa tela, numa telinha, sem o charme dos antigos cinemas de antão.

Em seu lugar um imóvel comercial será erguido. Um patrimônio da cidade esquecido e perdido... Quando poderia ter sido preservado e elevado a Centro Cultural de Santo Anastácio, com teatro, cinema, e local propício para atividades culturais, de palestras, de homenagens e de formaturas. Uma pena... Agora... só ficam as lembranças.

Que outros patrimônios da cidade não sofram o mesmo destino...


José Carlos Ramires
29/nov/2006 - atualizado em 02/02/2009

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